quinta-feira, 23 de junho de 2011

Viagens de bondinho

O bondinho de Melbourne é capaz de transportar o passageiro a vários lugares do mundo. Eu mesma já fui parar em Paris e Viena.  

Tudo acontece de repente. Não há escolha do local; o passageiro só escolhe se quer ir ou não.

Estou sempre disposta, porque tenho a desculpa de “ter” que escrever.

Há três semanas, eu estava no bondinho de Melbourne quando duas francesas, sentadas a dez centímetros de mim, tagarelavam sobre uma tarde no Musée Rodin, em Paris; resolvi acompanhá-las.

Em poucos minutos, estávamos diante da “porta do inferno”, esculpida pelo artista. E como ela é grandiosa, também no sentido literal, com seis metros de altura, quatro de largura, e um metro de profundidade; as cento e oitenta figuras cravadas na porta exibem beleza e desastre.

Ao observarmos cuidadosamente aquela escultura, concluímos que todo conceito traz o seu oposto: amor e ódio, prazer e dor, alegria e tristeza, levando-nos a crer que os opostos têm o mesmo peso emocional, e que desfrutamos de todos aqueles lados angustiantes, como se, em alguns momentos da vida, escolhêssemos sofrer.

Nós três suspiramos, sem saber se de desespero, ou de encantamento. Éramos as nossas contradições ali, sem carne e sem osso. Afinal, tecnicamente, não poderíamos estar naquele local, mas estávamos, convictas.

“Temos que descer agora.” Uma delas anunciou, interrompendo a possibilidade de apreciarmos as outras obras do Rodin.

“Meninas, e as outras esculturas: O Pensador, O beijo...?” Insisti, perguntando alto com o pensamento; elas não me deram atenção, mas me olharam com cumplicidade, acho.

À Viena, cheguei atrasada; os passageiros já haviam passado pelo centro histórico, onde comeram uma sache torte, e haviam também margeado o rio Danúbio. Logo que me juntei ao grupo, tive a oportunidade de conhecer a Galerie Belvedere, onde nos concentramos nas obras do Gustav Klimt e dos outros artistas que também participaram do Vienna Secession movement, ocorrido no início do século XX, modificando todas as regras artísticas seguidas até então, e criando um cenário provocativo; muitas mulheres nas telas; mulheres de negócios e mulheres em pleno prazer. Klimt inspirava-se nelas, e ao que nos pareceu, em especial em Emilie Flöge, fashionista e bem sucedida mulher de negócios.  

Entre conversas, tomamos conhecimento de que Gustav Klimt tinha uma relação aberta com Emilie Flöge, que foi sua “companheira”, até a morte, apesar de o artista ter tido filhos com outras mulheres.  

Quando voltei dessas viagens, verifiquei o tempo do relógio lógico: vinte minutes; e em seguida, tentei me localizar:

“Aonde vou mesmo?” Perguntei, olhando pela janela e buscando familiaridade nas redondezas.

"If you don't know where you are going, any road will get you there. Lewis Carroll". Respondeu um outro passageiro, que devia ter a capacidade de ler pensamentos.

Então, desci; era hora.

Pretendo ir a outros lugares tão logo surja a oportunidade e antes que os business men descubram que o teletransporte já é possível na Terra, a preço AU$3,80. Temo que fique mais caro, ou seja proibido por questões de soberania nacional até que se regulamente o assunto e se estabeleça quem deve explorar, a empresa privada ou o estado com a ajuda de um novo imposto.

Por isso, para confundir eventuais delatores, informo que tudo é ficção, qualquer semelhança só pode ser fruto de mera coincidência, ou de insanidade ingênua. Não te parece?

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