quinta-feira, 20 de novembro de 2014

A arte da obra

Era meio-dia e os pedreiros buscavam as sombras mais próximas para se aconchegarem com as suas bóias trazidas de casa. Estava na hora do almoço naquela obra, que crescia a olho nu, a pedido do entusiasmado dono da nova morada.

O intervalo do almoço era recheado de conversa, que variava desde lembranças remotas até devaneios pessoais. O assunto era introduzido sem que ninguém perguntasse; por outro lado, nada ficava sem resposta. 

- Eu num trocava de rôpa na frente da televisão, porque achava qui podiam me ver - disse um dos pedreiros, ao abrir a marmita, lembrando a sua infância - disse Viola, o pedreiro mais velho e mais fantasioso.

- Agora tu exagerô, Viola! pontuou Café, o pedreiro mais jovem.

- Exagero é o patrão falano inglês cum Bin Lade. Por que ele num ensina português pu Bin Lade - continuou Viola.

- O Bin Lade morreu, Viola - respondeu Café.

- Cê sabe qual é o trabalho do patrão - perguntou Viola curioso.

Hunhum - murmurou Café.

 - É só falano inglês no telefone - insistiu Viola.

 - É - respondeu Café, que emitiu qualquer som, para dar mais fôlego à conversa do Viola, pois viu o dono da casa aproximar-se de onde estavam almoçando.

 - O patrão podia me dar uma moto nova. Era só chamar: venha cá meu fii, vamu comprar uma moto nova - devaneou Viola, sobre novo tema.

Café segurou o riso. Pela delonga da obra, o ambiente era mais familiar que hostil, e o proprietário, que estava ali na espreita, não se conteve:

- Viola, quem tem filho grande é elefante! - disse o proprietário, em tom zombeteiro, porém afetuoso.

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