quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

As coisas influentes da vida chegam assim sorrateiras


Dizem que o livre arbítrio funciona como uma dose pequena de antídoto para o que o destino, a vida, o divino, ou a natureza apresentam como implacável. Entretanto, de alguma maneira há uma sintonia. Pelo menos, é o que dizem aquelas pessoas que não acreditam em coincidência. 

O lado bom de estar perdido torna qualquer informação em fonte de utilidade; ciência e simpatia têm pesos semelhantes porque para os perdidos a razão há muito já deixou de ser o único condutor da verdade.

O duro é confiar nesse além, nessa infinidade, divindade, que uns garantem, por fé, existir. Eu não tinha prática desses aléns. Eu só queria tentar viver a vida de forma inteira, com propósito e sentido, dentre outras coisas lunáticas que podem nos guiar a uma poesia, ou ao canal da sanidade, de aparência suspeita. Mais ou menos como se uma juventude súbita nos acometesse e nos desse o direito de recomeçar, de errar tudo de novo, sem o medo dos adultos disfarçado de ponderações. 

Lá estava eu escrevendo diário há mais de 4 anos, sem parar, com o objetivo de me conhecer melhor. Eu mal sabia... se a célula é infinita, o que será  o ser humano, porém até a gente se separar do fantasma da autoimagem leva muito tempo.

E qual não foi a minha surpresa?

Eu não era eu.

Assumidamente perdida, economizei dinheiro para sair por aí, tão logo eu engolisse um litro de coragem.

Conversei com todos os meus amigos espalhados pelo mundo, extraí deles as informações necessárias sobre viver “por aí”. 

Com tudo meticulosamente calculado, a zona cinzenta resolveu clarear.

“Em seis meses, vou sair por aí.” 

O que eu não imaginava, o que não estava nos meus planos, aconteceu. Justo naquele momento em que eu tinha toda certeza do que queria na vida e da vida.

Ela surgiu. Era um adulto, fantasiado de paixão.

Esconjuro; só pode ser quebranto. Já passei da adolescência. Fingi que não era comigo.

Não aceitei a rasteira da natureza humana (feminina) de achar: "dessa vez é amor", segurei os meus planos com unhas e dentes,  e segui. Como se não bastasse o peso da decisão de deixar o trabalho, havia aparecido do nada uma pessoa para embaralhar as cartas de novo. 

"Não é não. Não é não?"

Contei a uma amiga sobre os meus planos e ela sugeriu que fizéssemos uma viagem de carro, regada com muita conversa. Ela me garantiu que tinha uma saída.

Expliquei à empresa que eu deveria viajar por 15 dias; era urgente.

O mais importante era continuar seguindo, sem hesitar. 

Quando voltei, tudo estava sob controle. Embora eu tivesse passando por um turbilhão emocional, ninguém sabia (pelo menos, ele não sabia); era só manter o pulso firme, que ia passar.

Outra oportunidade de viajar desenrolou-se sem que eu demandasse; justifiquei que a minha presença era necessária naquele lugar. Os meus colegas de trabalho me olhavam como uma impostora; em menos de dois meses, eu já estava na estrada novamente. 

Ao fazer a mala, resolvi doar as minhas roupas; seria o começo daquela outra viagem para qual eu estava me preparando. Selecionei e as coloquei num isopor para levar e doar. 

Meu irmão, quando viu a suposta mala, narrou uma história de uma pessoa que levou malas de isopor e não pode viajar, porque a companhia aérea solicitou de última hora a abertura do continente para saber o que havia de conteúdo.

Não liguei a mínima e disse que se fosse preciso, eu explicaria que era para doar e que se fosse necessário doaria ali mesmo. Eu não deixaria de viajar por causa disso. Desliguei o celular, e, no aeroporto, eu já estava me sentido a salva, eu viajaria com ou sem mala.  

O voo atrasou por mais de duas horas, e durante essas duas horas, meu irmão brincava sobre a minha mala, como sendo o motivo de tanta delonga. E eu... só pensava em fugir.

“Silvia, favor, comparecer ao balcão da gol o mais breve possível.” 

Ao ouvirmos esse anúncio do alto-falante, meu irmão ria e dizia: vai lá buscar o isopor.

Ao chegar ao balcão da companhia aérea, descobri que o motivo do anúncio era uma armação convicta da natureza humana (masculina): "ela não me escapa". 

E sem dizer muito, ele me abraçou e me beijou.

***

Obs.: o título do texto pertence ao personagem Riobaldo, do livro Grande Sertão: Veredas, do G. Rosa.



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