quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Show de Truman, oder?

A quem não se lembra, Show de Truman foi um filme estrelado pelo Jim Carrey, no qual ele vivia numa cidade elaborada, onde tudo era meticulosamente calculado, como num comercial, sendo ele a estrela do show.

Atualmente estou vivendo num lugar onde (quase) tudo parece tão programado e previsível que me sinto numa cidade feita para um filme. Por enquanto, sou figurante.

Bochum/Deutschland.

Se você nunca ouviu falar dessa cidade, fique tranquila, eu também não fazia a mais tenra ideia da sua existência, até o meu namorado me dizer que recebeu uma proposta de trabalho para essas bandas. Olhando para o mapa da Alemanha, ela fica próxima à Düsseldorf

Quando falo que estou morando em Bochum reproduzo quase a mesma sensação que sinto quando digo que sou do Piauí. Sou quase um mascote entre os meus amigos do Rio: "você é a única pessoa que eu conheço do Piauí", ou "nunca conheci ninguém do Piauí", ou ainda "essa é minha amiga "piauense" ao invés de piauiense. Aos poucos, esse dado ao meu respeito tornou-se uma moeda de troca: "traga aquela sua amiga do Piauí que quero apresentar para uns amigos de fora", dizem os conhecidos dos amigos. Não compreendo que tanta graça tem nesse fato, porém sei que ele foi responsável por despertar a curiosidade das pessoas. 

"Eu tenho uma amiga do Piauí." 

"Do Pi-au-í?"

"Também fiz essa cara quando ela me falou que era de lá."

Conseguiu captar um pouco o que provoco quando digo que estou morando em Bochum? 

Não estou falando dos amigos brasileiros... não ainda; estou falando dos amigos alemães, que tão pouco conhecem a região onde estou; isso sem falar na surpresa para as pessoas da cidade. Em algumas ocasiões, sou tratada como uma espécie de evento: "amanhã você vem? Vou avisar a minha esposa", diz o dono de um café. "Domingo farei um almoço, às 16 hs, você será bem-vinda", alguém complementa. Ao que parece, sou um imprevisto; não sei como me tratarão quando eu me tornar um habitué.

Apesar dessa surpreendente hospitalidade, ainda não tenho amigos aqui, não porque o povo alemão seja reservado mas porque o idioma ainda é o maior entrave. Embora eu o tenha estudado por alguns anos, aprender um idioma e não praticá-lo implica desconforto, pois você sabe ler e escrever, mas não sabe se expressar, o que é lastimável.

Nesse momento, o idioma inglês é o meu rival, pois ao começar a falar em alemão, o interlocutor, no intuito de saciar a sua curiosidade e facilitar a comunicação, altera o idioma para língua inglesa. E isso me causa uma frustração.

Mas vai passar. 

Dizem por aí que todo mundo precisa de objetivo na vida... acho que aprender alemão vai me render trabalho por muito tempo. Deveria ser prescrito como anti-depressivo.

"Tudo que o senhor precisa é de um objetivo de longo prazo. Vá aprender alemão."

E o sujeito teria ocupação para a oficina mental. E quando voltasse ao médico, ele contaria como anda ocupado em memorizar o gênero das coisas: o mesa, o cadeira, a nariz, e por aí vai. E o médico poderia dizer que se trata de homeopatia.

Also (que se pronuncia azô) tem função semelhante ao nosso então. Não quer dizer necessariamente que você irá concluir, mas que vai começar a dizer algo. Quando citamos o nome de algum país, logo vem à nossa mente uma saraivada de conclusões sobre as pessoas e o lugar. Pelo menos, isso acontece comigo.

Also (azô), eu sempre achei que, na Alemanha, a salsicha fosse a principal referência alimentar juntamente com a batata. Porém ando me surpreendendo com a diversidade de pães "das Brot" (o pão não tem gênero, é neutro). Aqui há tanta padaria quanto no Rio de Janeiro tem farmácia.

Outro ponto, que me pegou desprevenida, foi a existência de inúmeras placas de informação. Elas não são intuitivas e eu desconfio que estejam coibindo alguma atitude. Por isso, tenho tido a sensação de que estou fazendo algo errado constantemente. Quando me falam algo que eu não entendo, pergunto: ist das verboten? Isso é proibido? Em alemão há várias formas de dizer proibido, assim como em português/brasileiro temos várias formas de dizer malemolência, jogo de cintura, jeitinho etc.

Conversando com um amigo sobre o tema, ele disse: aqui na Alemanha, a gente primeiro acha o culpado, depois resolve o problema. Tive que ter muito jogo de cintura pra explicar que, no Brasil, às vezes, a gente gosta do culpado, ou nós somos os culpados; por isso, a gente resolve primeiro, depois dá um jeito no resto que não ficar resolvido.

"Das ist ganz komisch." (Isso é muito estranho). Ele respondeu. 

Eu concordei... porque ainda não sei discordar, em alemão.

A região onde eu moro chama-se Ruhrgebiet. É uma área que ficou conhecida pelo trabalho nas minas. Mas ainda não descobri o que tem aqui que instiga os meus amigos alemães de outras áreas a perguntarem o que diabos estou fazendo aqui.

"E na vida, a gente sabe alguma coisa? Isso aqui pode parecer, mas não é o Show de Truman." 



3 comentários:

  1. Muito bom mesmo!!! Nada como uma meta longa para tudo se tornar mais leve, hein?!
    Ca entre nos, parece melhor lidar com neutro e 4 declinacoes do que japones, nao e?
    Gros bisous

    ResponderExcluir
  2. Livinha! Obrigada. Estou a sua procura!
    Desculpe demorar tanto em responder o comentário.
    Bisous,
    Silvie

    ResponderExcluir
  3. Livinha! Obrigada. Estou a sua procura!
    Desculpe demorar tanto em responder o comentário.
    Bisous,
    Silvie

    ResponderExcluir