segunda-feira, 6 de junho de 2011

Livros internos

Há histórias que não são contadas pra ninguém; são aquelas que ficam registradas nos livros internos, guardados a sete chaves no sótão mental, onde se costuma estocar o medo da desaprovação, de não ser amado e, pior, de ser acusado de “escória da humanidade”.

Só conhecem as histórias desses livros os parceiros no crime, e as respectivas vítimas. Não se tratam de mentirinhas brancas; são fatos ocorridos, senão, pelo menos, planejados e executados mentalmente; a respeito dos quais se diz: esses casos só acontecem em filme iraniano.

Certa vez, dizem que aconteceu em algum lugar no interior, enquanto estavam de férias, os primos brincavam de se esconder. Um deles se escondeu no consultório de dentista da tia. Como ninguém o encontrava, ele começou a mexer nos vidrinhos que via pela frente; e ficou encantado com um vidro de mercúrio, que achou; depois o mostrou a outro primo. O que achou disse: “vamos tomar?” E marcaram hora e lugar para tomarem; houve algum desencontro, o segundo primo chegou atrasado, e o primeiro tomou tudo sozinho. Anos mais tarde, esse primo morreu de câncer; e o outro primo ficou ensimesmado, pensando se o fato tinha a ver com aquela brincadeira da infância, e nunca tocou no assunto. Isso só pode ser história de livros internos.

Outra vez, em outro lugar de uma cidade grande, amigos reunidos encontraram-se com os amigos dos amigos. Uns se paqueraram, outros invejaram a paquera dos primeiros. Novos encontros foram marcados. E tudo se repetiu. Um esperou que outro fosse embora e paquerou a escolhida do amigo. Nada ocorreu além de um leve estalinho entre eles. No dia seguinte, combinaram de nunca tocar no assunto, pois houve um arrependimento mútuo. No entanto, uma testemunha denunciou; e o amigo, que se sentiu traído escolheu não falar mais com o outro amigo. Um ano depois, todos resolveram fazer as pazes. O amigo, que perdoou, e a paquera casaram-se e viveram juntos até a morte, que ocorreu num acidente de avião. O amigo remanescente se perguntou: “estava tudo escrito?” Mas dizem que isso também é coisa de livros internos; ninguém ousa a comentar sobre o assunto.

Por incrível que pareça, há na Terra 6,775,235,700 bilhões de livros internos e um número infinito de histórias. Muitos dos detentores dos livros internos preferem deixá-los escondidos onde estão, resguardando-nos do julgamento alheio e mantendo as condições sociais de temperatura e pressão do planeta; outros se disfarçam, mudam os gêneros, os nomes e um tantinho “assim” do que ocorreu; e os compartilham com o mundo sideral em formato de histórias inéditas.

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